sábado, 12 de janeiro de 2008

Chuva, doce chuva

Uma das poucas coisas que automaticamente me deixam bem é uma chuva depois de um dia de quase quarenta graus. Lá vou eu de novo, mas é que é verdade. Essa era uma das coisas boas do Natal. Um dia perfeito de verão é aquele em que se arma uma tempestade. Já começa com a ventania e as nuvens que se fecham, os redemoinhos de folhas e os cabelos voando. Se estiver de mau humor, passa na hora. Se estiver triste, fico serena. Se estiver alegre, fico eufórica.

O motivo disso é porque sinto-me mal no calor excessivo, e Araçatuba, minha cidade natal, é a sucursal do inferno, ou seja, trinta e tantos graus é a temperatura média do ano inteiro. A chuva alivia, refresca, descansa. Gosto de sentir os primeiros pingos no corpo e depois entrar em casa e ficar espiando pela janela enquanto ela molha o jardim, as ruas, os carros e as pessoas que passam correndo pra fugir dela. Quando criança, ainda tinha o prazer de brincar na enxurrada que se formava na esquina de casa quando a chuva parava, quase um rio descendo pela Rua Bandeirantes. Depois eu ficava com o pé sujo de piche e dava um trabalhão pra tirar, mas ia assim mesmo. Nunca peguei nem um resfriado!

Mas chuva é imagem fortíssima pra todo mundo, claro. O hexagrama número nove do I Ching associa a chuva que cai com o repouso que chega, a conclusão bem-sucedida de uma situação de tensão, alcançada através da ação penetrante do vento, que significa o aperfeiçoamento. Mas às vezes o significado é o oposto, como no versículo bíblico que diz que quem semeia ventos colhe tempestades. Obviamente, identifico-me mais com a primeira interpretação.

Dizem que os esquimós possuem inúmeras palavras para descrever a neve. Que temos nós para chuva? Chuva, chuvisco, chuvisqueiro, borrasca, toró, tempestade, garoa, aguaceiro, dilúvio. Não são muitas não. No fim das contas, temos que usar mesmo é um adjetivo: chuva fina, chuva mansa, chuva fria, chuva boa, chovendo canivetes e por aí vai... Pois então, a minha favorita é a pesada de verão, forte, que molha tudo, cria rios e lagos e pára completamente deixando um cheiro de terra ou asfalto molhado no ar e uma brisa suave, fresca e bem agradável que diz que agora está tudo bem, tudo dando certo.

Minha mãe passou seu último verão no hospital, um calor dos diabos, primeiro só com ventilador, depois com o ar-condicionado. Depois de ficar a tarde inteira com ela, voltava pra casa preocupada em regar o jardim, pois ela ficaria chateada se eu deixasse a grama morrer. Na tarde em que ela se foi, choveu muito, muito mesmo! A árvore perto da janela do seu quarto partiu-se em duas: uma parte ficou em pé, a outra caiu no chão. Disse pra Fernanda, minha irmã, que essa imagem num texto literário seria considerada um clichê, banal, mas foi exatamente assim que aconteceu. Ela partiu em grande estilo! E num dia de chuva torrencial, do jeito que eu gosto, pra me dizer que não me preocupasse, que tudo ficaria bem.

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