quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Energia

Estive conversando outro dia com amigos sobre a energia de uma apresentação e sobre como uma boa energia circulando no grupo e com a platéia faz dessa apresentação um momento inesquecível, mesmo quando o resultado musical ainda não está 100%.

Lembro-me de alguns exemplos que muito me alegraram. Um dos primeiros talvez tenha sido nossa participação no "Show de Talentos" do Prof. Nicolau, na PUC, em 1987. Havia uma grande variedade de números, nem todos musicais. Quando nosso grupo começou a cantar a platéia aplaudiu muito! Eu não queria mais sair dali! Lembro-me também de uma apresentação do coral do ICBNA em Santa Rosa, em 1990, quando cantamos "The Long and Winding Road" com a chuva batendo no telhado de zinco. Acho que o público mal ouvia a gente e provavelmente começamos a gritar, mas me emocionei tanto que não queria que a música acabasse (ah, chuva...).

Claro que o ideal é combinar excelente qualidade musical com excelente energia rolando! Só acho que uma não depende da outra. Eu, pessoalmente, memorizo uma apresentação como inesquecível quando a energia que circulou foi das boas. E, embora não deixe nunca de valorizar o aprimoramento musical, fico muito triste quando essa mesma energia fica faltando.

O interessante é que energia não é algo que se busca. Ela acontece. Se ficarmos buscando, muito fixados nesse objetivo, ele provavelmente escapa de nosso alcance. É mais uma questão de estar presente, curtindo o momento presente sem muita preocupação.

Preciso me lembrar disso nas minhas próximas apresentações!

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Às vezes

Às vezes eu sinto muita saudade da minha vida. Às vezes não sinto nada. Só espero poder logo olhar para trás e respirar aliviada porque tudo passou.

Formaturas

Nesta semana, estive em duas formaturas da UFRGS: a das Letras e a das Artes, nesta ordem. Tive, portanto, a oportunidade de ouvir os discursos de ambas as áreas na mesma ordem em que eles aconteceram na minha vida. Há 18 anos, eu me formei em Letras pela PUC, E, há exatos 10 anos, eu me formei em Música pela UFRGS. Foram dois momentos bem diferentes. Na PUC, muito formalismo e seriedade. E eu, bem, nada feliz. Não queria seguir aquela profissão, mesmo gostando muito da área de Letras. Na UFRGS, o oposto. Feliz, feliz, feliz, terminando um curso do qual, por muitas vezes, quase fui obrigada a desistir. Atropelei meu discurso de agradecimento numa cerimônia mais informal e divertida.

Assistindo agora a estas colações de grau, já distante das salas de aula por algum tempo, pude observar um pouco as expectativas daqueles que estão ingressando no mercado de trabalho neste início de século. Mesmo não oferecendo propostas de altos rendimentos, a área de Letras ainda parece dar mais segurança nas ofertas de emprego. Portanto, os discursos giraram em torno de críticas ao próprio curso, a dificuldade pessoal de cada um para concluí-lo, a esperança de reconhecimento do diploma no mercado (especialmente para os que se formam em Tradução, como foi o meu caso) e agradecimento pelo apoio emocional e financeiro das famílias durante os estudos. Nas Artes, a busca de reconhecimento é mais profunda, pois o artista continua sendo visto como cigarra numa sociedade de laboriosas formigas. O agradecimento foi mais pelo apoio das famílias a suas escolhas profissionais.

Mas, de maneira geral, o que senti em ambas foi uma expectativa muito grande de fazer uma diferença no mundo. Não que este sentimento não estivesse presente antes. Claro que estava! Mas as turmas eram mais dispersas. O objetivo era mais imediato, prático: ter um emprego que pagasse as contas, no caso das Letras. No caso da Música, grande parte já tinha outro diploma (e outro emprego) e cursou a Universidade para realizar um sonho pessoal. Fico pensando se o motivo disto não foi o fato de que a maioria de nós tinha sido adolescente nos anos setenta e oitenta, períodos política e economicamente sofridos na história brasileira, de golpes militares a inflação galopante. Predominava a crítica amargurada ao país e uma tendência à falta de esperança, no estilo "não adianta fazer nada porque nada vai mudar".

Ah, agora muitos podem dizer - e mudou alguma coisa? Os problemas políticos e econômicos ainda existem aos montes, como sempre existiram . Mas algo mudou sim. Sem querer entrar demais neste assunto, acho que hoje as pessoas de vinte e poucos anos têm mais vontade de transformar o mundo, acreditam um pouquinho mais nas possibilidades de abrirem-se novos caminhos, de se descobrirem novas soluções. Também notei que, nos dois grupos, parecia haver mais união, mais integração. Não foram várias pessoas que ingressaram na vida profissional. Foram grupos de amigos, compartilhando os mesmos sonhos e esperanças. As escolhas profissionais vieram carregadas de muita determinação. Na Música, a situação parece ter-se invertido, pois a maioria já está atuando no mercado de trabalho como músico.

Isto é muito significativo pra mim. Acredito que as mudanças positivas que todos desejam podem realmente acontecer. Que o mundo não vai ser perfeito, isto sabemos. Sempre haverá descontentamento, sempre haverá sensação de incompletitude. Mas, sem isso, também não haveria motivação pra ir em frente, tudo já estaria pronto mesmo. Diante de tantas dificuldades que precisam ser atendidas, pode até parecer pouco. Não importa. Importa que seja real, importa que dê alguns frutos. E, como conheço de perto esses novos profissionais, muitos deles grandes amigos meus, tenho certeza de que esses frutos virão!

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Os que vão e os que ficam

Nunca tinha pensado no assunto, até que um dia, lá pelos anos de 79 ou 80, sei lá eu, uma menina da minha idade bateu na nossa porta, me cumprimentou pelo nome e perguntou se eu lembrava dela. Não, sinceramente, não. Mas convidei-a a entrar e ficamos batendo papo por uma meia hora, ela perguntando sobre todos nossos amigos do colégio, eu respondendo, ainda sem lembrar dela. Só depois que saiu é que fui procurar as fotografias antigas da nossa turma e a reconheci nas fotos do pré-primário.

Então me ocorreu que quem vai embora leva consigo um registro daquele momento específico. Leva todo um mundo congelado no tempo. Mas, pra quem fica, quase nada mudou. Apenas o surgimento de uma ausência, em geral logo preenchida por novas presenças. Pois quando chegou a minha vez de sair de cena, fiquei fotografando meu mundo pra levar comigo. Não queria que meus amigos se esquecessem de mim, mas, quanto a isso, não havia muito que pudesse fazer.

Quando cheguei em Porto Alegre sentia-me como se tivesse aterrizado em outro planeta - e estava no mesmo país, falando a mesma língua, só com um cantar um pouco diferente! Mas não conhecia ninguém - nenhum rosto, nenhuma rua, nenhum lugar especial, nada. Tudo que eu conhecia tinha ficada pra trás. Vim com família, com tudo que eu tinha na bagagem, sem perspectiva de retornar. Experiência bem diversa de quando fui estudar em Nova Iorque.

Já havia estado por lá várias vezes, em viagens de férias. Já conhecia alguns rostos, já sabia onde ir pra se chegar nos lugares, já tinha alguns lugares pra ir. Mas fui sozinha, deixando tudo em compasso de espera - família, amigos, emprego, cachorros. Fui com prazo pra voltar, com a idéia de aprender o máximo possível, sabendo ser essa uma chance única na minha vida. Consciente de que pra quem vai, um novo universo se abre, mas pra quem fica, a paisagem quase não se altera, tentei manter-me sempre atualizada, em contato com esse lado do mundo a cada nova estadia em Porto Alegre, para estar em dia quando regressasse de vez. E, no entanto, ficava com uma sensação de não pertencer a lugar algum. Pois, sem estar construindo nada por aqui, era apenas uma visitante. Retornando a Nova Iorque, nada era definitivo. Estava apenas buscando qualificar meus conhecimentos. Meu prazo se ampliou, não consegui o que queria mas recebi o que precisava. É assim que Deus trabalha.

Neste sábado passado fomos nos despedir do nosso amigo Dessórdi que está indo pros EUA. Vai pra lá na mesma situação em que eu fui: pra estudar, com data pra retorno. Como cada pessoa desenha sua própria estrada, não tenho como saber o que ele encontrará por lá. Mas desejo de todo coração que encontre o que procura. E que volte! Pois se é verdade que pouco se altera com a nossa ausência, o que está por vir depende de cada presença neste cenário. Cada pessoa contribui com um novo detalhe na paisagem que, após algum tempo, seria bem diferente se ela não tivesse estado ali. E acho que nossa paisagem fica mais bonita com a presença de bons amigos como ele!

Dessórdi, um grande abraço!



Bota-fora do Dessórdi

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Memórias

Final de tarde a passarada canta na praça da caixa d'água, em frente ao portão de entrada do meu colégio, lá em Araçatuba. O barulho que os pardais fazem chega a parecer um campo de batalha. Essa foi uma das imagens que gravei na memória antes de me mudar pra Porto Alegre. Durante um ano inteiro, já sabendo que não voltaria pra lá tão cedo e que, certamente, não voltaria a morar lá, andei por todos os meus lugares preferidos, e os nem tão preferidos, e dizia pro meu cérebro: memoriza isto. Isto era um cheiro, uma imagem, um som, uma cor, uma sensação térmica, um lugar. Incrível como funcionou, pois muitos daqueles momentos ficaram mesmo registrados.

Mas é lógico que as memórias em geral não são gravadas intencionalmente. Uns anos atrás comprei o CD com os sucessos do Raul Seixas e quando ouvi Gita tive um acesso de angústia, um quase sufocamento, acompanhado de uma saudade de algo que não sabia explicar. E a imagem veio logo em seguida. Nossa casa ficava num terreno com desnível. Havia uma escada de uns dez degraus da cozinha até o quintal. Eu costumava me deitar no largo corrimão de tijolos e ficar um tempão olhando pras nuvens. No quartinho dos fundos, era comum a empregada estar passando roupa com um radinho de pilha ligado em alguma AM. E Raul Seixas tocava adoidado naqueles anos setenta em que eu era criança. Eu nunca mais tinha escutado esta música, então quando ouvi o CD foi quase um choque!

Gosto tanto de guardar esses momentos em que nada estava acontecendo de específico. Nenhum fato extraordinário, nenhuma ação ou encontro especial (OK, estes também estão na memória, é claro). São manhãs iluminadas por um sol gelado descendo do ônibus aqui em Porto Alegre, ou aquelas tardes refrescadas do após chuva que já mencionei. Um início de noite com ar morno, sentada na cadeira de balanço lendo um livro, um dia calorento andando pelo centro ou um dia frio de rachar os lábios caminhando de volta da escola. Mas todos esses registros ficaram guardados porque na hora eu parei de pensar no que estava fazendo pra prestar atenção no agora!

Como é que diz a canção do John Lennon? A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outras coisas? Acho que era algo assim. Bem, depois que comecei a meditar, passei a tentar viver mais conscientemente neste espaço mental onde não estamos preocupados com nada, esperando por nada, ansiando por nada. E fazendo o que estivermos fazendo com a mente fixa no presente. Para acabar com a impressão de que minha vida nada mais era do que um eterno esperar por algo, sem sequer saber se esse algo chegaria. Como com os personagens de "Esperando Godot", a peça de Beckett cuja leitura me causou uma terrível aflição!

Pois então, foram vários anos de tentativa, nem sempre bem-sucedida, mas tem valido a pena. Já consigo desacelerar certos momentos, alongá-los no tempo. É reconfortante pensar que isto já acontecia também espontaneamente, pois acabam sendo essas as horas mais expressivas da nossa existência, como no terceiro ato de "Nossa Cidade", quando Emily escolhe um dia "pouco importante" para ser revisitado e se emociona por não ter prestado atenção a ele quando estava viva, citando mais uma peça teatral. São os momentos em que a vida acontece!...

Estamos no dia 17 de janeiro, mas a desaceleração das atividades faz parecer que já se foi uma eternidade desde a entrada do ano, por um lado. Por outro, não vejo o tempo passar, tamanha é minha concentração no instante que estou vivendo. Bom assim. Não anseio pelo que espero e o que espero chega mais rápido.

sábado, 12 de janeiro de 2008

Chuva, doce chuva

Uma das poucas coisas que automaticamente me deixam bem é uma chuva depois de um dia de quase quarenta graus. Lá vou eu de novo, mas é que é verdade. Essa era uma das coisas boas do Natal. Um dia perfeito de verão é aquele em que se arma uma tempestade. Já começa com a ventania e as nuvens que se fecham, os redemoinhos de folhas e os cabelos voando. Se estiver de mau humor, passa na hora. Se estiver triste, fico serena. Se estiver alegre, fico eufórica.

O motivo disso é porque sinto-me mal no calor excessivo, e Araçatuba, minha cidade natal, é a sucursal do inferno, ou seja, trinta e tantos graus é a temperatura média do ano inteiro. A chuva alivia, refresca, descansa. Gosto de sentir os primeiros pingos no corpo e depois entrar em casa e ficar espiando pela janela enquanto ela molha o jardim, as ruas, os carros e as pessoas que passam correndo pra fugir dela. Quando criança, ainda tinha o prazer de brincar na enxurrada que se formava na esquina de casa quando a chuva parava, quase um rio descendo pela Rua Bandeirantes. Depois eu ficava com o pé sujo de piche e dava um trabalhão pra tirar, mas ia assim mesmo. Nunca peguei nem um resfriado!

Mas chuva é imagem fortíssima pra todo mundo, claro. O hexagrama número nove do I Ching associa a chuva que cai com o repouso que chega, a conclusão bem-sucedida de uma situação de tensão, alcançada através da ação penetrante do vento, que significa o aperfeiçoamento. Mas às vezes o significado é o oposto, como no versículo bíblico que diz que quem semeia ventos colhe tempestades. Obviamente, identifico-me mais com a primeira interpretação.

Dizem que os esquimós possuem inúmeras palavras para descrever a neve. Que temos nós para chuva? Chuva, chuvisco, chuvisqueiro, borrasca, toró, tempestade, garoa, aguaceiro, dilúvio. Não são muitas não. No fim das contas, temos que usar mesmo é um adjetivo: chuva fina, chuva mansa, chuva fria, chuva boa, chovendo canivetes e por aí vai... Pois então, a minha favorita é a pesada de verão, forte, que molha tudo, cria rios e lagos e pára completamente deixando um cheiro de terra ou asfalto molhado no ar e uma brisa suave, fresca e bem agradável que diz que agora está tudo bem, tudo dando certo.

Minha mãe passou seu último verão no hospital, um calor dos diabos, primeiro só com ventilador, depois com o ar-condicionado. Depois de ficar a tarde inteira com ela, voltava pra casa preocupada em regar o jardim, pois ela ficaria chateada se eu deixasse a grama morrer. Na tarde em que ela se foi, choveu muito, muito mesmo! A árvore perto da janela do seu quarto partiu-se em duas: uma parte ficou em pé, a outra caiu no chão. Disse pra Fernanda, minha irmã, que essa imagem num texto literário seria considerada um clichê, banal, mas foi exatamente assim que aconteceu. Ela partiu em grande estilo! E num dia de chuva torrencial, do jeito que eu gosto, pra me dizer que não me preocupasse, que tudo ficaria bem.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

2008 é o ano

De acordo com os budistas, a felicidade é o fruto da ausência do desejo. Se assim for, 2008 é o ano em que vou ser feliz. Apesar dos muitos planos e expectativas, não me lembro de me sentir tão indiferente quanto ao que há de ser. E já vou me desligar deste pensamento, pra não começar a desejá-lo também.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Natal

Fim de ano lá em casa era uma festa pra mim. Antes de mais nada, porque entrava em férias, podia acordar na hora que quisesse e passar o dia inteiro dentro de casa lendo, assistindo televisão, tocando piano ou escutando música. Mas não chegava a fazer nada disso. Não em dezembro. Isto porque, logo no início do mês, começávamos a preparar o Natal. Eu me dedicava a colocar nossas coisas em ordem, limpando e arrumando a bagunça do ano inteiro. Minha mãe tirava a decoração das caixas e ia espalhando pela casa. Depois me chamava pra ver. Eram anjos de cartolina, sininhos, guirlandas em papel vermelho brilhante feitas com pinha e bolas de Natal e outros tantos símbolos tradicionais. Ela adorava tudo isso.

Todos os dias tocava um disco de Natal. Sempre as mesmas músicas em versões as mais variadas possíveis. Piano, Big Bands, conjuntos musicais típicos da década de setenta, cantores solistas e coros. Ah, muitos coros! Minha mãe era apaixonada pelo coro. Todos os anos eu ouvia a mesma história dos concertos de Natal do coro da Igreja Metodista de Lins, onde minha mãe cantava contralto e atuava como organista. Sobre como as becas foram costuradas seguindo o modelo de beca de uma escola do Rio de Janeiro. Como um radialista muito conhecido se encantou com o coro quando se apresentaram pela primeira vez no auditório da Rádio. Como a regente, dona Déa Affini, havia melhorado o desempenho dos cantores e transformado o concerto num evento para toda a cidade. E como.... e por aí vai! Eu ficava ouvindo e imaginando a delícia que devia ser participar de algo assim!

Então chegava a vez da árvore. Quando éramos bem crianças, ela reservava um enfeite para cada um de nós pendurar. Mais tarde, assumi essa função, pois só eu continuava entusiasmada com a tarefa. Lá pelos meados do mês vinha a clássica pergunta: Flávia, você não vai montar a árvore de Natal? Lá ia eu colocar um disco como trilha sonora e passar a tarde me esforçando pra deixar bonita a velha árvore desmilingüida, comprada no meu primeiro aniversário.

Nos últimos anos, já em Porto Alegre, o interesse dela começara a diminuir. Mantinha o ritual todo como uma tradição, mas não parecia tão alegre como antes. Mesmo assim, a clássica pergunta se repetia infalivelmente, agora com um acréscimo: Flávia, quando é que vocês vão começar a ensaiar as músicas de Natal?, referindo-se ao meu coro.

No próximo dia 17 completam-se dois anos da sua morte. Passei a maior parte desse tempo meio anestesiada, como se ela estivesse apenas visitando minha avó em São Paulo e estivesse pra voltar a qualquer momento. Em 2006, as festas de fim de ano foram obscurecidas pelas idas e vindas da CTI onde meu pai ficou internado por quatro meses. Mas neste último Natal, a ausência dela foi enorme. Não decorei a casa, não montei a árvore, não ouvi nem cantei as canções de Natal que tanto gosto. Não tive vontade. Não veio sequer uma nostalgia da infância. Penso que foi por ser realmente a primeira vez que celebramos esta festa sem ela. Que nos próximos anos voltarei a sentir a mesma alegria de antigamente. Assim espero. Graças a tudo isso, o Natal sempre teve um grande significado pra mim. Não gostaria de perdê-lo.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Ano Novo

Então 2008 chegou. Dizer que o ano passado trouxe muitas mudanças não chega a ser significativo. Pelo que me lembro, posso dizer o mesmo de quase todos os anos passados, ainda que as mudanças não tenham sido externas, aparentes, contabilizáveis. Mas o somatório destas mudanças me levaram para tão longe de onde eu comecei nesta vida que já não me recordo de quando foi que dei o primeiro passo. Não falo de mudanças compulsórias, da passagem de infância para adolescência ou idade adulta (e paramos por aí...), mas das mudanças que procuro fazer conscientemente na minha trajetória interna, na minha maneira de ver a vida.

Porque desde sempre me senti como essa nota desafinada num acorde, eu sempre tentando afiná-la e o acorde sempre modulando. Quando chegava, já não era mais ali que devia estar, não era mais aquilo que devia fazer e, pior, todos já tinham ido embora... Psicologia, astrologia, meditação, auto-análise e até terapia, tudo pra me achar e achar meu canto neste mundo, e o mundo girando depressa demais. Celebrei meus quarenta com um currículo de vinte. Tá certo, vinte bem ampliados, alongados no tempo, mas ainda sim, com a perspectiva dos vinte.

Ou não. Ainda quero as mesmas coisas que queria, ainda não conquistei nem metade delas! E ainda me acontecem as mesmas situações, os mesmos nós, as mesmas dificuldades. Mas algo mudou por dentro. Parece que estou mais leve. Aos vinte anos, eu tinha toda minha vida pela frente e me desesperava como se ela fosse acabar no dia seguinte. Agora que os prazos começam a se fechar, minha sensação é a de ter a vida inteira pela frente. Celebrei meus quarenta com a certeza de que começara finalmente a rejuvenescer.

Será que todos que chegam aos quarenta se sentem assim? Ou será que esta sensação é fruto de todo meu esforço em afinar minha nota? Se for, então posso dizer que construí algo, realizei alguma coisa, ainda que invisível aos olhos das pessoas, mas extremamente sólido e importante para mim. Existe uma historinha zen onde o Mestre pergunta ao discípulo quem ele é, rejeitando todas as respostas recebidas - nome, profissão, filiação, nacionalidade e outros tantos meios que usamos para nos identificar - pois nenhuma delas definia a totalidade do que realmente somos. Então qualificar realização pessoal por rótulos que o mundo nos cobra também é um modo de limitar nossa totalidade. Se cada um de nós tem uma trajetória pessoal e intransferível então não há nenhum modelo de existência.

Quando eu era pequena, não conseguia visualizar meu próprio rosto na minha imaginação. Sério, isto começou a me incomodar, pois via todo mundo em meus pensamentos, mas não conseguia colocar a mim mesma dentro do quadro. Eu era sempre a câmera. Lembro-me da primeira vez que consegui me enxergar: foi numa tarde de julho de 1985, numa aula de biologia do professor Miltinho, lá no Unificado da Alberto Bins, duas semanas antes do vestibular da PUC. Fiquei tão surpresa que não prestei mais atenção na aula. De lá pra cá, os flashes foram aumentando e hoje consigo me ver claramente em meus pensamentos.

Minhas considerações sobre este fato são variadas. Acho que reflete o auto-conhecimento que conquistei. Também tem sido mais fácil me afastar dos meus problemas e enxergá-los como se fossem de outra pessoa. Mas o melhor mesmo é que, já que na minha cabeça posso participar do meu filme como atriz principal, ultimamente venho escrevendo os roteiros que mais me agradam e espero que ao menos alguns deles estejam dentro do orçamento que Deus reservou pra mim.