domingo, 8 de agosto de 2010

Religiões


Nasci de mãe protestante e pai ateu, cresci na igreja metodista e fui educada em escola católica. Portanto, desde cedo convivi com idéias conflitantes sobre religião e espiritualidade, o que me deu a oportunidade de aprender a respeitar diferentes pontos de vista sobre o assunto. Também me estimulou a questionar minhas próprias convicções, a colocá-las à prova, a ampliá-las.

A realidade violenta, caótica e aparentemente injusta em que somos jogados quando chegamos a este mundo faz a crença num Deus amoroso parecer uma noção no mínimo discutível para muita gente. Penso assim muitas vezes eu também. Mas não consigo extirpar a idéia da existência de uma outra realidade, invisível para nós, mas que ordene os acontecimentos e lhes dê sentido.

Acho que descrever o que acontece do outro lado é muito mais uma questão de fé e de escolha do que de constatação científica, que é o que a sociedade exige hoje em dia para corroborar um pensamento. A verdade é que não se pode provar a existência de Deus e não se pode provar a sua não existência.

Toda "evidência" de um mundo espiritual pode ser estilhaçada com argumentos científicos e isto poderia até ser suficiente para negar este mundo se não fosse por dois pontos que considero relevantes: o primeiro, o de que a própria ciência se contradiz a todo momento, conforme vai evoluindo; segundo, porque toda ciência bem como toda celeuma em torno das crenças religiosas não puderam impedir que os seres humanos continuassem precisando vivenciar sua espiritualidade de todas as maneiras possíveis.

Respeito quem tenha optado pelo ateísmo por não sentir necessidade de uma "explicação espiritual" do mundo. Mas não posso deixar de me surpreender (e de me entristecer um pouquinho) quando o ateísmo se deve a uma decepção com as igrejas e suas doutrinas porque, para mim, igreja e religião são duas coisas diferentes, embora irmanadas. A igreja é uma instituição humana, feita por pessoas que desejam perpetuar um credo. Religião é o conjunto de idéias acerca do mundo espiritual, que tenta oferecer um guia para uma conduta humana correta neste nosso mundo material. O fato de que as igrejas e seus representantes podem se corromper não deveria colocar em dúvida a verdade de seus ensinamentos, assim como um médico ruim não põe em dúvida a eficiência da medicina.

Há quem desista da fé, sentindo-se inseguro porque as religiões estão em constante mutação. Mas elas são apenas uma ponte para o mundo espiritual, tentando unir as duas realidades. Como toda ponte, podem precisar de reparos e restaurações de tempos em tempos; podem sofrer avarias causadas por aqueles que as utilizam ou podem ser totalmente substituídas caso se tornem obsoletas. Mas estas renovações não invalidam sua função nem determinam a não existência do "lado de lá" - que só poderemos conhecer realmente quando a travessia for concluída.

A evolução das religiões é uma conseqüência da evolução da alma humana. Os próprios conceitos de moral e civilização modernos foram introduzidos nas sociedades através das religiões. O que o ateísmo faz é aceitar estes conceitos e rejeitar sua origem - a realidade espiritual.

Tudo bem, entendo que às vezes seja difícil separar dogmas autoritários, oriundos do preconceito e do desejo humano de poder, dos ensinamentos verdadeiramente sábios, que nos elevam enquanto seres humanos. Sobretudo quando estamos totalmente imersos numa doutrina. É preciso ter discernimento, ponderação, cautela. É preciso verificar quais são seus frutos. É preciso aprender a reconhecer sua essência.

Acho que a crescente tendência ao ecumenismo, fruto da globalização, é mais uma etapa evolutiva da alma. E o objetivo final talvez nem seja se chegar a uma religião única, pois as pessoas têm necessidades diferentes, mas sim se chegar à coexistência harmoniosa de todas elas. Muitas pontes, cada uma com seu jeito particular de ser, partindo de pontos distintos, mas todas oferecendo um caminho de paz para quem busca um sentido maior para a vida.