Então 2008 chegou. Dizer que o ano passado trouxe muitas mudanças não chega a ser significativo. Pelo que me lembro, posso dizer o mesmo de quase todos os anos passados, ainda que as mudanças não tenham sido externas, aparentes, contabilizáveis. Mas o somatório destas mudanças me levaram para tão longe de onde eu comecei nesta vida que já não me recordo de quando foi que dei o primeiro passo. Não falo de mudanças compulsórias, da passagem de infância para adolescência ou idade adulta (e paramos por aí...), mas das mudanças que procuro fazer conscientemente na minha trajetória interna, na minha maneira de ver a vida.
Porque desde sempre me senti como essa nota desafinada num acorde, eu sempre tentando afiná-la e o acorde sempre modulando. Quando chegava, já não era mais ali que devia estar, não era mais aquilo que devia fazer e, pior, todos já tinham ido embora... Psicologia, astrologia, meditação, auto-análise e até terapia, tudo pra me achar e achar meu canto neste mundo, e o mundo girando depressa demais. Celebrei meus quarenta com um currículo de vinte. Tá certo, vinte bem ampliados, alongados no tempo, mas ainda sim, com a perspectiva dos vinte.
Ou não. Ainda quero as mesmas coisas que queria, ainda não conquistei nem metade delas! E ainda me acontecem as mesmas situações, os mesmos nós, as mesmas dificuldades. Mas algo mudou por dentro. Parece que estou mais leve. Aos vinte anos, eu tinha toda minha vida pela frente e me desesperava como se ela fosse acabar no dia seguinte. Agora que os prazos começam a se fechar, minha sensação é a de ter a vida inteira pela frente. Celebrei meus quarenta com a certeza de que começara finalmente a rejuvenescer.
Será que todos que chegam aos quarenta se sentem assim? Ou será que esta sensação é fruto de todo meu esforço em afinar minha nota? Se for, então posso dizer que construí algo, realizei alguma coisa, ainda que invisível aos olhos das pessoas, mas extremamente sólido e importante para mim. Existe uma historinha zen onde o Mestre pergunta ao discípulo quem ele é, rejeitando todas as respostas recebidas - nome, profissão, filiação, nacionalidade e outros tantos meios que usamos para nos identificar - pois nenhuma delas definia a totalidade do que realmente somos. Então qualificar realização pessoal por rótulos que o mundo nos cobra também é um modo de limitar nossa totalidade. Se cada um de nós tem uma trajetória pessoal e intransferível então não há nenhum modelo de existência.
Quando eu era pequena, não conseguia visualizar meu próprio rosto na minha imaginação. Sério, isto começou a me incomodar, pois via todo mundo em meus pensamentos, mas não conseguia colocar a mim mesma dentro do quadro. Eu era sempre a câmera. Lembro-me da primeira vez que consegui me enxergar: foi numa tarde de julho de 1985, numa aula de biologia do professor Miltinho, lá no Unificado da Alberto Bins, duas semanas antes do vestibular da PUC. Fiquei tão surpresa que não prestei mais atenção na aula. De lá pra cá, os flashes foram aumentando e hoje consigo me ver claramente em meus pensamentos.
Minhas considerações sobre este fato são variadas. Acho que reflete o auto-conhecimento que conquistei. Também tem sido mais fácil me afastar dos meus problemas e enxergá-los como se fossem de outra pessoa. Mas o melhor mesmo é que, já que na minha cabeça posso participar do meu filme como atriz principal, ultimamente venho escrevendo os roteiros que mais me agradam e espero que ao menos alguns deles estejam dentro do orçamento que Deus reservou pra mim.
quarta-feira, 2 de janeiro de 2008
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